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A minha família normal favorita

"De tal ninho, tal passarinho.", "De mau ninho, não cries o passarinho."ou "De tal gente, tal semente."! Quem ainda não as ouviu?! Ou quem ainda não as usou de uma forma mais ou menos encapotada? Por exemplo, imaginem a situação típica de Centro Comercial em que se ouve uma criança no chão a fazer uma birra enorme e os pais aparentemente sem saberem como resolver a situação! Quantos já não teceram algum comentário audível ou em jeito de pensamento - "Vê-se mesmo que só podia ser daquela família!". "Se fosse comigo nada daquilo aconteceria!". Nas famílias com filhos com e sem Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) coloca-se algumas destas e de outras questões. Nomeadamente, aquilo que por norma parece ser disruptivo para uma família sem filhos do espectro do autismo não é necessariamente igual para uma família com crianças do espectro do autismo.

Muito frequentemente os pais com filhos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) já sentiram o poder do julgamento feito por outras famílias, sejam familiares ou pessoas estranhas. Nomeadamente quando há episódios de maior desregulação emocional, algo que é habitual acontecer em determinadas pessoas do espectro do autismo. Frequentemente estas famílias são rotuladas como demasiado permissivas e que fazem todas as vontades aos filhos. E que alguns casos é por isso que os filhos estão com aqueles comportamentos. Ou então são vistas como pais negligentes e que não estão a atender às necessidades dos seus filhos porque os deixaram em determinado momento sem uma resposta. Ou então em situações que que famílias com filhos do espectro do autismo necessitam de ter uma maior previsibilidade sobre as coisas para que eles próprios possam ajudar os filhos a prever e a criar uma rotina. Algo igualmente muito habitual de acontecer em famílias com filhos do espectro do autismo. Pode ser rotulado pelas outras famílias como obsessão, inflexibilidade, rigidez, etc.


Uns e outros, parece que todos nós temos algo a opinar sobre a forma como as famílias cuidam dos seus filhos e gerem o seu quotidiano. Mesmo que não estejamos a compreender o porquê da família em questão estar a fazer as coisas de determinada forma. E nem sequer tenhamos conhecimento do que se pode ou não passar com os filhos. Mas não são apenas os não profissionais que tecem este tipo de comentários e opiniões. Também há profissionais que investidos de determinados modelos teóricos sentem que determinado perfil de funcionamento familiar pode ser disfuncional e causador de maior disrupção seja na dinâmica familiar ou no funcionamento de determinado elemento. E no caso das famílias em que há filhos com Perturbação do Espectro do Autismo a frequência parece ser maior. E em boa parte isso acontece porque se continua a aplicar os modelos compreensivos que foram desenvolvidos tendo por base as famílias com filhos com um desenvolvimento típico.


Para famílias de crianças com um desenvolvimento típico, o padrão de funcionamento observado nos pólos extremos da coesão familiar (enredada e desligada) e flexibilidade (rígida e caótica) estão associados a resultados negativos. Os colegas com formação em Terapia Familiar e Sistémica têm desenvolvido muito do seu trabalho em torno destes conceitos. No entanto, alguma experiência clínica no acompanhamento de pessoas do Espectro do Autismo e necessariamente dos seus pais em determinados momentos do processo psicoterapeutico, como é o meu caso. E no caso dos colegas com formação em Terapia Familiar e Sistémica também, ainda que o processo de intervenção ocorra em moldes diferentes. O certo é que tem havido uma crescente ideia de que no caso das famílias com filhos com PEA este processo pode ocorrer com determinadas diferenças. Mais especificamente, as rotinas diárias organizadas (rigidez aumentada) e cuidadores altamente envolvidos (aumento do enredamento) podem teoricamente estar associado a resultados positivos. Coisa que num família com filhos com um desenvolvimento tipicamente normativo é por norma considerado como estando associado a resultados negativos.


É sabido que os relacionamentos familiares saudáveis ​​lançam as bases para um funcionamento social, interpessoal e psicológico positivo mais tarde na vida. O funcionamento familiar positivo refere-se a uma melhor qualidade do relacionamento interpessoal, autoconceito e saúde psicológica em adultos com um desenvolvimento típico. O funcionamento saudável da família também pode servir como factor de proteção para as famílias e os diferentes elementos que enfrentam uma variedade de desafios e stressores ao longo da vida.


Vários modelos foram propostos para explicar tanto o normal quanto as variações problemáticas nos padrões de interação familiar. E por norma esses modelos frequentemente incluem variáveis como papéis familiares, comunicação, cordialidade e estabelecimento de laços. Um conjunto cada vez maior de investigadores e clínicos referem que as famílias de crianças com PEA apresentam stressores, incluindo aumento do Índice de Stress Parental, taxas mais altas de divórcio e menor bem-estar da família. Ou seja, é comum verificarmos nas famílias com filhos do espectro do autismo a probabilidade de haver nos próprios pais alguma perturbação psiquiátrica ou uma maior predisposição para o desenvolvimento de alguma perturbação. Para além disso, há todo um conjunto de episódios ao longo do desenvolvimento que vai levando a um maior desgaste na família e com isso ao desenvolvimento de mal estar psicológico e uma pior qualidade de vida, individual e no grupo famílias.


No entanto, esta ideia de que estas características mais comuns de serem encontradas em famílias com filhos do espectro do autismo apresentam sempre resultados positivos não é sempre verdade. Ou seja nas famílias com filhos do espectro do autismo é comum observarmos níveis mais elevados de ansiedade e depressão e indicadores de disfuncionalidade. Para além disso é importante poder compreender que nos grupos familiares em que há filhos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), a probabilidade de um dos pais ter a mesma condição ou outra condição psiquiátrica é maior. E dentro do grupo familiar é comum verificar-se que na mulher os resultados ao nível da saúde mental parecem ter piores resultados. Por exemplo, um número significativo das mulheres autistas que são mães tem maior probabilidade de mal estar psicológico, em parte porque cerca de 40% destas apresentam uma depressão pós- parto, comparativamente a 25% das mães neurotipicas. A percepção de suporte social é também menor nas mães autistas. Sendo que há uma percentagem maior destas que refere que os médicos lhe conferem menor credibilidade às suas queixas quando comparado com mães neurotipicas. Além disso, apenas uma percentagem menor de mães sente que pode contar com ajuda do parceiro. Ou seja, há todo um conjunto de razões para que se possa pensar na existência de diferenças. Ainda assim, é importante atender à situação que nos é apresentada e fazer uma avaliação compreensiva. Olhando para as forças e fraquezas não pela perspectiva do que acreditamos ser verdade, sendo do especto do autismo ou não. Mas antes podermos compreender a funcionalidade de cada uma dessas formas diferentes das famílias poderem fazer as coisas e não deixarem de o ser - famílias.

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