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A leveza da água

Embora a minha dor de cabeça fosse leve, tomei um comprimido! disse Júlia (nome fictício). Mas porquê? questionou-a quase instantaneamente Rui (nome fictício). Por me doer a cabeça. Por que acontece com frequência. Por que me incomoda cada vez mais. E por que a minha qualidade de vida diminui quando isso acontece! disparou de uma rajada só Júlia.


Ainda hoje verificamos frequentemente o uso da palavra leve quando nos referimos a várias questões da área da saúde. Uma dor de cabeça leve, mas também já ouvimos falar de autismo leve. Provavelmente, muitos de vocês não estão a reconhecer a designação, até porque a costumam ler em inglês - mild (leve).


Mas será que andamos a pesar o autismo? pensarão alguns. Certamente que não, pelo menos não da forma como alguns poderão pensar. Mas o certo é que o autismo, tal como vai sendo pensado, é visto como leve ou pesado, no sentido de ter mais ou menos impacto na vida da pessoa diagnosticada.


Mas quem define esse leve ou pesado? E com que critérios? E o que é que as pessoas autistas dizem relativamente a isso?


Por exemplo, alguns referem que a partir do momento em que foram definidos três níveis na Perturbação do Espectro do Autismo, podemos estar a falar de situações mais leves e outras mais pesadas, ainda que possam ser usados outros adjectivos também.


E quando pensamos nas pessoas autistas que vão solicitar um atestado multiusos, a realização deste processo é feita com base na Classificação Internacional das Funcionalidades (CIF). Instrumento que foi criado de raiz para dar resposta às situações de lesões ocorridas em contexto de trabalho. E que determina que caso a pessoa tenha um valor de 60% ou mais tem direito a um conjunto de benefícios tipificados na lei para as pessoas com deficiência. E como tal, há quem refira que os 60% determina a fronteira que separa o leve do pesado.


Mas muitos de nós sabe que isso não corresponde à verdade. Até porque a determinação do ser leve ou pesado não é estanque e é algo muito próprio à pessoa. Um pouco como a determinação do nível da dor e que ainda hoje continua a dar muitas "dores de cabeça" às pessoas que padecem dela, bem como aos profissionais de saúde que necessitam de avaliar e intervir nestas mesmas situações. Claro que há instrumentos para poder tentar aferir isso. Mas no caso do autismo, a situação parece ser bem mais complexa do que isso. E além do mais, o uso da designação - Aquela pessoa tem um autismo leve ou pesado tem um impacto mais alargado na pessoa e em todos nós do que se pode imaginar.


Até porque associado à palavra leve existem um conjunto de outras ideias, nomeadamente da facilidade em fazer coisas, por exemplo. E como tal se a pessoa tem um diagnóstico de autismo leve, então é porque consegue fazer as coisas. E como tal não necessita de adequações, seja na escola, mas também no trabalho, entre outras coisas. E se tem um autismo pesado, então é porque a situação é de tal ordem grave que pode significar que não se pode fazer nada da pessoa ou da sua vida e como tal mais vale desistir.


Pode parecer um preciosismo ou uma coisa menor, mas acredite que não é!


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