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Foto do escritorpedrorodrigues

A floresta na árvore

É frequente dizer-se que quem vê a árvore não tem amplitude suficiente de visão para ver a floresta. Esta ideia remete-nos frequentemente para o olhar fraccionado e condicionado com que muitos de nós, seja frequentemente mas também em diversos contextos de actuação agimos. E muitas vezes parecemos não ter consciência de que esta nossa prática acaba por condicionar o mundo sempre que nasce uma criança com determinado diagnóstico que refere não ter determinado conjunto de competências. Frequentemente também ouvimos muitos daqueles que vêem a árvore queixar-se que não é da sua responsabilidade mas sim da amplitude. Sendo que não parecem capazes de compreender que a amplitude é uma escolha de cada um de nós. Acredito que alguns não saibam como procurar melhor amplitude. O certo é que muitas vezes esse olhar, agravado pelos próprios condicionamentos sociais, acaba por ele próprio engendrar condutas de desamor. Sendo que estas são muito mais devastadoras do que a própria dificuldade sentida pela pessoa com a determinada condição diagnosticada. Ou então, o adulto pai ou mais sente tão grande injustiça pelo seu filho ter nascido com aquela condição, que passa ele próprio a construir para ele uma vida assente em fracassos, sem hipóteses de evolução, envolta em sofrimento e desistência. Poderíamos pensar que a única forma de mudarmos a nossa visão e mundividência seria através de nos afastarmos. O suficiente até obter uma amplitude suficiente para olharmos a floresta. E chegado a esse ponto, o que diríamos que estávamos a observar? Uma floresta seria a resposta mais rápida. Ou então um conjunto vasto de copas de árvores diriam aqueles mais apegados à descrição exacta dos fenómenos. E depois? O que mudaria na nossa mundividência a partir dessa experiência? Seriamos dessa forma mais capazes de entender as diferentes árvores que compõem a floresta? Ou neste caso a amplitude tornaria a nossa visão pouco capaz e adicionalmente algum do nosso desconhecimento levaria a que ficássemos na mesma, ou até mesmo pior!? Por exemplo, correr o risco de dizer que todas aquelas árvores são iguais e como tal recebem intervenção igual? Talvez possamos fazer um outro exercício antes de nos podermos afastar um pouco mais n procura de uma amplitude adequada. Por exemplo, sentarmos junto à árvore e procurar olhar em seu redor. Deixar que os nossos sentidos possa deixar entrar toda a informação possível libertada pela árvore mas também pelo ecossistema circundante. E poder pensar - o que vemos? o que ouvimos? Ou cheiramos? O que é que podemos sentir quando colocamos as mãos no chão e enterramos os dedos um pouco na terra ou na turfa circundante à árvore? Que idade tem a árvore, já se perguntou? Mas isto sem ver o registo da mesma. E conseguimos prever a profundidade do seu tronco e raizes? E o que pode viver na árvore? Isto para além dos troncos e das folhas! Os insectos que poisam nas folhas e alguns que delas se alimentam. Os passeios que fazem os ninhos nos seus troncos. E as formigas que se passeiam na base da árvore junto ao chão? E os cogumelos que se reproduzem na base da árvore? Ou as minhocas e outros insectos. Se pensarmos na dimensão da World Wide Web (WWW), é como se aqui pudéssemos pensar na Wood Wide Web!! A dimensão quantitativa e qualitativa daquilo que habita neste perímetro reduzido em torno da árvore diz-nos em muito daquilo que é a própria árvore. De como ela funciona e opera com os outros seres vivos em seu redor. Esta floresta do autismo já tem alguns anos. Mais precisamente tem perto de noventa anos desde que começou. Ou que pelos menos as pessoas pensam que começou. Porque já havia muita outra coisa antes mesmo desta floresta ter começado. Talvez os nomes que lhes era dado fossem outros. Da mesma forma como ao longo destes quase noventa anos os nomes se foram alterando consoante a amplitude da visão adquirida. E o terreno onde essas mesmas árvores foram crescendo? E toda aquela vida que por ali já existia e foi continuando a fazer parte da floresta mas também da vida de cada uma das árvores que ali foi nascendo e crescendo. O nosso olhar, e principalmente aquele focado no deficit é geralmente um olhar que não promove o desenvolvimento, pois não vê nada para além do deficit. Fica cego para o todo e para tudo o mais que possa desenvolver-se na árvore. Seja esta uma árvore que acabou de nascer, uma jovem árvore ou uma árvore adulta, continua a ser uma árvore para essa pessoa. Mas ela é mais do que isso e sempre o foi. É tal como quando por alguma razão, normalmente pela mão do Homem, uma árvore nasce na sombra de outra. Normalmente esta acaba por não se desenvolver adequadamente. Mas a natureza sabe disso e também por isso há informação importante que parece ajudar a que esse processo ocorra de forma equitativo e em respeito do crescimento das árvores vizinhas e de todas elas que compõem a floresta. E quantas vezes em todo este processo de avanços e recuos alguns sentem a necessidade de perguntar a outras alguma da informação que estes estão a recolher? Sendo que enquanto uns se debruçam mais pelas questões das copas das árvores, outros ficam-se mais pelas questões circundantes à própria árvore em si. Quanto importante é esta visão inter e transdisciplinar no nosso quotidiano quando nos passeamos pela floresta e paramos juntos a alguma das árvores? O Espectro do autismo é como todo este ecossistema que encontramos quando estamos na floresta e até mesmo mais interessados junto à árvore. E tal como neste é importante um equilíbrio para garantir o seu crescimento e desenvolvimento adequado, assim como uma compreensão holistica para quem nele navega, o mesmo também se passa quando procuramos humanizar a nossa prática terapêutica ao trabalhar com uma pessoa autista.


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