"- Mãe, como é que nascem os bebés?". "Pai, ouvi dizer que os rapazes se masturbam!". "- Mãe, disseram na escola que as raparigas quando passam a ser menstruadas podem engravidar!". Quem se lembra de já ter perguntado estas ou outras questões aos vossos pais e terem sido convidados para ter "A conversa"? E quantos é que não tiveram essa hipótese e aprenderam algumas coisas com os amigos? Ou mais recentemente na internet? Uma coisa parece ser certa, a partir de determinado momento no desenvolvimento da pessoa, começando em criança, passa a haver a necessidade da descoberta do próprio corpo e do corpo do outro. O infindável mundo de sensações fisiológicas. Dúvidas sentidas nas relações de namoro e de intimidade, nomeadamente nas relações sexuais. O sentirem-se atraídos por pessoas do mesmo sexo ou não terem desejo por terem relações românticas. São muitas as situações que ocorrem aos próprios ao longo do desenvolvimento e aos seus pais e educadores. Seja fora mas igualmente dentro do Espectro do Autismo.
Com base nas taxas de diagnóstico de crianças e adolescentes, estima-se que uma percentagem significativa de jovens com Perturbação do Espectro do Autismo passem a ter 18 anos a cada ano. Reconhecendo isso, passou a haver um maior foco na saúde e qualidade de vida dos adultos no espectro do autismo. A sexualidade e os relacionamentos são aspectos centrais da saúde e bem-estar na adolescência, idade adulta jovem e ao longo da vida.
No entanto, os serviços para apoiar as questões da sexualidade saudável e os relacionamentos para as pessoas com autismo são escassos deixando as famílias para educar os jovens nesta falta de orientação.
As famílias são um contexto crítico para o desenvolvimento saudável da sexualidade. E a comunicação sobre sexualidade familiar é uma constante, um processo iterativo que envolve a transmissão de informações pelos pais e valores sobre sexo e relacionamentos que, idealmente, começam na primeira infância e continua na idade adulta
Enquanto jovem, as pessoas desempenham um papel activo na comunicação sobre a sexualidade familiar por comportamentos, incluindo fazendo comentários sobre a atração sentida por outros, expressando interesse em relacionamentos, fazer perguntas e, às vezes, evitando tentativas de conversa dos pais. Idealmente, os pais adaptam a comunicação sobre a sexualidade ao identificar e alinhar-se às necessidades cognitivas e emocionais dos jovens em termos de conteúdo, profundidade e amplitude de informações e métodos instrucionais. Por exemplo, fornecendo directamente informações relevantes que podem aumentar a receptividade e as chances que os jovens apliquem essas mesmas informações às suas vidas.
Contudo, os pais podem sentir esta situação como particularmente desafiadora para os jovens cujo desenvolvimento e competências diferem em domínios funcionais e de desenvolvimento (por exemplo, físico, social, emocional, intelectual, executivo), como costuma ser o caso no espectro do autismo.
A experiência clínica mostra que a maioria dos adolescentes e jovens adultos com autismo estão interessados em sexualidade, romance, relacionamentos e parentalidade. No entanto, a grande maior não tem acesso na escola à educação para a sexualidade. E as redes informais de colegas que apoiam a navegação em relacionamentos românticos acaba por estar mais comprometido devido a muitas das dificuldades nas relações interpessoais.
O facto de alguns jovens com Perturbação do Espectro do Autismo referirem apenas mais tardiamente no desenvolvimento interesse nas relações sexuais e românticas. Ou também de interesse num relacionamento amoroso com outra pessoa, leva a que muitos pais fiquem um misto de aliviados e preocupados. Aliviados porque sentem que esse suposto afastamento não lhes traz dificuldades no papel parental de orientar os filhos. Ou seja, se as situações não surgirem podem ser sentidas como não sendo necessárias de abordar. Ou ficarem aliviados porque pensam que os filhos não se irão sujeitar a determinado tipo de situações que os possam vir a fazer sofrer. Mas também ficam preocupados porque pensam que os filhos poderão ter algum tipo de problema na esfera da sexualidade. Desde o poderem ser homossexuais porque o filho apenas se interessa por estar e falar com rapazes e nunca com raparigas. E o mesmo podendo acontecer com a filha que tem a mesma condição. Ou preocupados porque sentem que os filhos poderão nunca ter interesse em vir a constituir família no futuro atendendo ao seu aparente desinteresse nas relações românticas.
Há toda uma gama de situações também elas difíceis para os pais e para os próprios jovens que passa pelo facto de poderem ter algumas características de hipersexualidade e poderem ter comportamentos mais repetitivos de masturbação. E mesmo quando estes ocorrem em lugares privados traz uma preocupação acrescida nos pais. E em alguns casos nos jovens porque sentem alguma culpabilidade de realizarem este comportamento com tamanha frequência. O facto dos filhos poderem ter algumas questões de identidade de género e poderem começar a demonstrar um comportamento de maior proximidade romântica por alguém do mesmo sexo costuma ser uma situação que traz bastantes dificuldades na relação familiar. Seja porque algumas famílias têm maior dificuldade em aceitar esta orientação sexual dos filhos. Ou porque pensam que como são dos espectro do autismo não sabem o que estão a pensar e/ou a sentir e que como tal necessitam de ser melhor orientados, etc. Ou outras questões que passam pelos aspectos da higiene pessoal e que no caso das raparigas com o surgimento da menstruação se torna fundamental de ajudar a compreender o que se está a passar consigo. E no caso de haver dificuldades mais interligadas com as características do espectro do autismo, hipersensibilidades, por exemplo, é necessário realizar um trabalho adicional de sensibilização.
Assim, a comunicação sobre sexualidade familiar é criticamente importante para promover relacionamentos saudáveis e promover a saúde sexual e bem-estar para jovens com autismo. O conhecimento sexual é considerado necessário (embora não a base suficiente) para uma tomada de decisão saudável sobre comportamento e relacionamentos sexuais, um factor protector contra situações de vitimização sexual e contribui para um autoconceito saudável. É fundamental poder ajudar as famílias neste papel de fonte de informação e esclarecimento em relação às questões da sexualidade. E no caso das famílias com filhos com Perturbação do Espectro do Autismo esta necessidade torna-se ainda mais premente. Seja pelos desafios colocados pelas próprias características da condição dos filhos mas também porque serão os pais a continuarem a ter este papel ao longo do desenvolvimento devido às dificuldades em os próprios jovens terem estas conversas com os seus pares.
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